Por Tania Mendonça
Outro dia meu marido que tem 45 anos foi questionado por nossa filha de 6 anos, com a seguinte pergunta : Pai, como era no seu tempo ? A pergunta ficou incomodando os meus pensamentos, como assim "era" no seu tempo ? Fiquei pensando que a vivência do nosso tempo é sempre agora ! Nós estamos vivendo e vendo acontecer nosso tempo no momento presente, esse termo é usado em algum comentário que a própria pessoa ou outra comenta que no nosso tempo era assim se referindo ao passado. Ah! No meu tempo não existia nem celular e computador, não existia mesmo!
A vivência do tempo é muito particular, podemos estar em 2016 compartilhando o mesmo calendário, porém o tempo interno de cada um pode estar voltado para o presente, para o passado ou para o futuro. Quem nunca viveu uma decepção amorosa e ficou mergulhada nas lembranças do passado com um vislumbre triste e sem esperança sobre o futuro? Podemos observar também quando o futuro é aguardado com muito entusiasmo e alegria na gravidez quando esperamos o nascimento de um filho.
Já dizia Albert Einstein que o tempo é relativo, na verdade o tempo cronológico é o mesmo para todos, mas a nossa percepção sobre o tempo muda conforme vivenciamos a sua passagem. Quando estamos cuidando de um recém nascido, cada dia com a rotina intensa pode parecer que dura muito mais. Pra mim os três primeiros meses da minha filha mais velha, com muitas cólicas e muito choro, demorou um ano para passar. Quando estamos numa festa ou num momento divertido, 4 ou 5 horas se passam rapidamente.
Atualmente, na nossa sociedade a velocidade com que a informação transita possibilita que possamos conhecer informações atuais, relembrar músicas e personagens da nossa infância. Quando eu era criança, há uns 30 e poucos anos, era impossível encontrar uma música ou filme que gostássemos. Hoje podemos encontrar tudo numa velocidade incrível, podemos encontrar coisas do "nosso tempo", assim vamos envelhecer, porém poderemos reviver o "nosso tempo" sempre agora.
Depois de escrever esse texto esbarrei nessa maravilhosa poesia.
Depois de escrever esse texto esbarrei nessa maravilhosa poesia.
Mudança de Idade - Mia Couto
Folha de São Paulo - 03/07/16
Para explicar
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis
antes de adormecer.
os excessos do meu irmão
a minha mãe dizia:
está na mudança de idade.
Na altura,
eu não tinha idade nenhuma
e o tempo era todo meu.
Despontavam borbulhas
no rosto do meu irmão,
eu morria de inveja
enquanto me perguntava:
em que idade a idade muda?
Que vida,
escondida de mim, vivia ele?
Em que adiantada estação
o tempo lhe vinha comer à mão?
Na espera de recompensa,
eu à lua pedia uma outra idade.
Respondiam-me batuques
mas vinham de longe,
de onde já não chega o luar.
Antes de dormirmos
a mãe vinha esticar os lençóis
que era um modo
de beijar o nosso sono.
Meu anjo, não durmas triste, pedia.
E eu não sabia
se era comigo que ela falava.
A tristeza, dizia,
é uma doença envergonhada.
Não aprendas a gostar dessa doença.
As suas palavras
soavam mais longe
que os tambores nocturnos.
O que invejas, falava a mãe, não é a idade.
É a vida
para além do sonho.
Idades mudaram-me,
calaram-se tambores,
na lua se anichou a materna voz.
E eu já nada reclamo.
Agora sei:
apenas o amor nos rouba o tempo.
E ainda hoje
estico os lençóis
antes de adormecer.
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